
Barbara Leite Liberato
Recebendo visita
O brincar é base para aprendizados mais elaborados, desenvolve habilidades e a inteligência emocional. É onde a linguagem da criança se expressa livremente. É onde o pré-adolescente e o adolescente também se expressa, se diverte e se conecta ao outro. Desenvolve-se emocionalmente, se frusta e evita o uso abusivo de telas.

Fotografia: Maria Marquez
“Quem quer brincar põe o dedo aqui que já vai fechar”!
O passado me visita.
Fecho os olhos e volto no tempo. A memória tem destas surpresas, nos transporta. Um cheiro, uma palavra, uma música, uma pessoa e puff! Como mágica lembranças ganham vida.
A rua está cheia de crianças, já é começo de noite, o som que impera é das vozes animadas, a brincadeira vai começar.
- Fulano você vai contar.
-Tem que contar até cinquenta.
- Ah não! Cinquenta é muito.
-Tá bom, até trinta então!
-O último salva todos.
-Os pequenos serão café com leite.
-Ah, mas eu não sou pequeno! Já tenho 5 anos.
- É pequeno sim! Dessa vez vocês serão café com leite. Se quiser vai ser assim.
- Vem, você esconde comigo, a gente fica junto.
Regras definidas. Todos concordaram!? Bem no meio da brincadeira tem umas confusões, surgem exceções e diversas negociações. Adulto por perto só o porteiro, nos sentimos seguros, estamos em nosso mundo, nosso espaço.
Ontem foi pique – pega, hoje pique - esconde, amanhã vamos andar de bicicleta e jogar ioiô da Coca-Cola.
Assim eram nossas noites, crianças brincando com crianças, pé no chão, tínhamos hora para começar e terminar, não precisava de adultos para nos lembrar que era hora de ir para casa, só olhar para o grande relógio da portaria e pegar o rumo de casa.
A gente brincava, brigava, aprendia a cuidar uns dos outros, lutava pelos nossos direitos, gritando, chorando ou simplesmente conversando.

Fotografia: Maria Marquez
Gordinhos, magrinhos, espertinhos, mansinhos, e claro, os líderes e os que se auto proclamavam líderes. Pequenos, grandes, de todas as idades, dos 5 anos aos 12 anos, misturinha boa.
Lembro de chorar, rir, cantar, correr, gritar, brincar. Visitando estas lembranças meu sentimento é de felicidade, infância vivida na essência do ser criança.
Dos meus companheiros de brincadeira muitos não tenho notícias e nem contato, não estão no visível. No invisível, onde só a alma e coração podem sentir e a memória pode guardar, estão bem vivos, presentes.
Consigo sentir a brisa da noite de verão, os cheiros, ouço as risadas, escuto a voz contando alto os números, avisando que já vai sair para nos procurar, nos vejo decidindo a brincadeira, por fim a figura do nosso adulto, o porteiro, (o mesmo da adolescência da minha mãe, da minha infância, adolescência e vida adulta) cara de bravo, meio ranzinza. Às vezes nos reprendia, mas seu olhar era sua força, falava mais que a voz, quando sorria, coisa que acontecia raramente, os olhos brilhavam, do seu jeito ele nos guardou e amou.
Isso é só uma amostra da minha infância, a turma da rua. Tem as férias na fazenda dos meus avós com meus primos, os amigos de escola, as tarefas e trabalhos escolares, as amigas de brincar de boneca, casinha e escolinha, os desenhos na tevê, que só passavam de manhã. Era intenso, sem excessos, sem tempo para tédio.
Lidávamos com as contrariedades e frustações naturais da infância, ninguém era blindado de sentir, as emoções, eram à flor da pele. Tristezas: algumas, fazem parte do viver. Brinquedos, doces, refrigerantes, eram um acontecimento quando recebíamos. O verdadeiro valor estava em ser, ser criança.
Segundo Gardner, “nenhuma criança brinca só para passar o tempo, sua escolha é motivada por processos íntimos, desejos, problemas, ansiedades. O que está acontecendo com a mente da criança determina suas atividades lúdicas; brincar é sua linguagem secreta, que devemos respeitar, mesmo se não a entendemos”.
Criança precisa conviver com criança, brincar, correr, andar descalço, fazer e sofrer raiva, brincar de faz de conta, chorar e sorrir, ralar o joelho e levantar, ouvir um não do amigo e saber negociar, montar e desmontar. Arrumar as próprias bagunças, se impor, se defender e defender os amigos, dividir, fazer escolhas e resolver problemas.

Fotografia: Mariana Vilela
É surpreendente vê- los entre os seus iguais, em alguns momentos nem reconhecemos. O brincar é base para aprendizados mais elaborados, desenvolve habilidades e a inteligência emocional, é onde a linguagem da criança se expressa livremente.
“As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brincar, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade” (LEV VYGOTSKY)
Nem tudo que é ofertado neste tempo é essencial, o essencial está em sentir, perceber e ouvir, através da convivência com o outro, simples, brincar!
- Quem quer brincar põe o dedo aqui que já vai fechar!
- Vem logo, que já vai fechar!
Puff! Infância, amigos, brincadeiras.

Sugestão de Leitura: Inteligências Múltiplas - A teoria na prática
Autor: Howard Gardner

Sobre Maria Marquez
Sou uma menina que sempre quis casar e ser mãe, hoje uma mulher realizada, casei com meu amor de adolescência, sou mãe de três garotos (Raul 23; Artur 20; Davi 18), pedagoga, secretaria do agronegócio, voltando às raízes, morando na fazenda, me redescobrindo e experimentando um universo de novidades.
Maria Marquez Gouveia Vilela
Pedagoga
Secretária do agronegócio da família
(99) 991318999 - mariamarquezgv@gmail.com
@mariamarquez9128